quinta-feira, 23 de maio de 2013

Um ensaio sobre nós.





Adentro aquele cômodo um tanto quanto apreensivo. No retorno para casa resolvi organizar os meus pensamentos e formular a melhor maneira de lhe falar sobre isso, sobre tudo isso. Respiro fundo.
O que eu temo afinal?
Largo a mochila pesada sobre a cama, sento ao seu lado em frente ao espelho, enquanto aliso minhas têmporas.
A ideia do que eu faria a seguir me parecera um tanto estúpida, mas no momento eu necessitava do desabafo, e falar sozinho me parecera a maneira de exorcizar os meus fantasmas.
- Eu devo estar enlouquecendo – Rio sem humor, enquanto analiso o meu reflexo. Os anos haviam passado mais depressa do que notara. Meu corpo havia se alongado um pouco, minha feição havia se tornado um tanto quanto madura, mas meu rosto ainda permanecia escasso de pêlos. Me parece que fora ontem em que lhe conheci, e que de súbito havia me encantado. Começo a falar de maneira desorganizada, antes de me dar conta de realmente o fazer.
- Não consigo ler suas mensagens, se é que são suas. Não por falta de interesse, mas o fato do destinatário ser desconhecido – Explico, e olho para o celular em minhas mãos, um tanto quanto decepcionado. - Me pergunto sobre o conteúdo delas, e se faria diferença em meu estado atual. Essa história de anonimato anda me corroendo, sabe? Desde as primeiras ligações. Sei que não faz por mal, mas sua falta de atitude, de palavras diretas, e o fato de agir como se nada estar acontecendo, me parece um tanto cruel.
Não espero uma resposta, é claro.
Olho para o espelho e são os seus olhos que vejo refletir. Olhos castanhos. Cansados e misteriosos.
- O que aconteceu com nós? O que aconteceu com você?
- Desde quando precisa se esconder de mim? Aquele que se mostrou por completo para você? Que lhe confidenciou segredos, e que mostrou o mais vergonhoso do próprio ser? Acredito que já lhe tenha dado provas suficientes de que pode confiar em mim, sem medo, pois nunca tive a real intenção de te machucar.
Me assusta ver que aquele desabafo já não era uma conversa solitária, mas sim com você. Era o seu rosto, o seu cheiro, a sua voz (ainda que muda) que estavam ali comigo.
- Por Deus, como ainda gosto de você! – Desvio o olhar por um instante, como atingido em cheio por aquela verdade incontestável. – Como queria, mesmo que só por um minuto, você sem reservas, sem temores. Que falasse com clareza sobre tudo o que sente, e me resgatasse dessa confusão.
- O que você teme afinal?
E eu temo que essas palavras nunca cheguem, que morram engasgadas na garganta, como tantas outras não ditas. E chego à conclusão de que meias verdades, e meias palavras nunca serão o suficiente para mim. E que talvez, o seu silêncio fosse o sepultamento para aquele sentimento, que não alcançou a primavera para florescer.
- Eu ainda penso em você. Lembro de nós. Lembro de tudo, não com dor, mas saudade. Saudade do tempo em que falávamos sobre nossos sonhos, os medos, os planos. Saudade de perder o sono enquanto passava as madrugadas conversando contigo, e que te ver sorrir me causava arrepios. Lembro e sinto uma saudade bonita, diferente da saudade desesperadora que sentia antigamente. Eu amadureci, já não tenho necessidade de você, mas o quero por perto, pelo simples fato de saber que é você que ocupa os meus desejos mais secretos. Não tão secretos agora. Agora, já consciente de que éramos imaturos demais para tudo o que acontecera, e que o fato de ter acontecido nos tornara mais fortes para o momento do hoje. – E suspiro pesadamente ao notar as nossas mudanças estampadas no físico, e mais além.
- Como você cresceu e está forte! Já não precisa de mim para dizer-lhe que tudo ficará bem, ou oferecer meu colo em qualquer momento em que precisar. – Me sinto tomado por um orgulho imenso, e uma felicidade contagiante, embora ainda nostálgico. -Tornou-se tão dono de si! Mas ainda noto seus olhos inquietos, como antes, e isso me faz ver que por mais diferentes e distantes que estamos, ainda resta nossas essências ali. Nossos olhos que não mentem.
- Confesso que ainda penso no “e se”, e me deixo imaginar como seria os dias se estivesse contigo até aqui. O que mudaria? Eu acredito que seria mais leve, mas não mais forte do que sou.
- Eu sinto sua falta em cada célula do meu corpo, mas não quero ser tomado pela saudade para sempre. Eu preciso que você tome uma atitude, e em breve. Estou decidido a seguir em frente de uma vez, sendo contigo ou não. Então eu peço que confie mais em mim e em si, e que me fale sobre esse mundo que traz aí dentro. – Ainda olho atentamente seus olhos refletidos no espelho, e eles me parecem mais vivos.
Chega, preciso dormir! Já havia chegado ao meu limite com aquele ensaio sobre uma conversa que talvez nunca iria acontecer.
Analisei o meu corpo mais uma vez, demoradamente na região da face, vi que não havia resquício de dor em meu reflexo, e que meus olhos não marejaram com meu ato de loucura.
- Estou mais forte. – Assenti orgulhoso por não mais prender o choro e aguar o bom do amor.
Despeço-me com um aceno de cabeça, sonolento pelo dia de trabalho, mas o ouço murmurar antes de pegar no sono:
- Que as corujas zelem o seu sono, meu beija-flor.

Nenhum comentário: